Endividamento e suas implicações psíquicas.

mariamanso Finanças, Psicologia Leave a Comment

O superendividamento dos consumidores constitui um fenômeno social relevante. Contudo, esta questão não diz respeito somente ao campo jurídico, visto configurar-se como um grave e crescente problema social que necessita, para sua compreensão e enfrentamento, da articulação de diferentes disciplinas. É necessário que façamos a pergunta:  qual o lugar da Psicologia, enquanto área de conhecimento que tem como foco o estudo da subjetividade humana, nesta questão do endividamento como algo muito além de um simples ato irresponsável de comprar sem ter condições de pagar.

Consumir faz parte da essência humana, porém as práticas modernas e pós-modernas sugeriram novos hábitos, associando ao consumo, consumismo e endividamento, talvez pelo notável incremento das práticas de consumo, talvez pelo aumento da lista de desejos humanos a serem consumidos.

Em uma economia globalizada, com o uso da internet, o acesso irrestrito a todo tipo de bens e serviços faz com que muitos indivíduos contraiam dívidas, comprometendo significativamente seus rendimentos e trazendo consequências mais sérias e tendo  implicações na saúde psíquica do indivíduo.

Zygmunt Bauman, na sua obra “Vida para o Consumo”, ele faz análise de como a sociedade de consumidores eclodiu nas últimas décadas como decorrência da sociedade de produtores. Para o autor, as próprias pessoas se transformaram em mercadorias no intuito de serem aceitas no espaço social por meio das relações humanas e, assim, garantirem sua visibilidade numa sociedade onde, cada vez mais, tudo se torna efêmero. O autor discorre sobre o impacto da transformação das pessoas em mercadorias em diversas áreas da vida, a exemplo da política, da economia, da moda e da cultura.

Bauman mostra nesta sua obra que o mercado de consumo é um espaço social, no qual as pessoas são, simultaneamente, os fregueses e as próprias mercadorias. Ele fala da passagem da sociedade de produtores – pautada nas necessidades dos indivíduos –  para uma sociedade de consumidores (consumismo) –pautada no desejo. Ele cita que esses desejos que regem a sociedade do consumo precisam levar sempre à não satisfação de seus membros para que a demanda de consumo não se esgote e a economia mantenha-se continuamente alimentada. Para o autor o consumismo aposta na irracionalidade dos consumidores, estimulando emoções consumistas e não cultivando a razão, onde todos consomem pelo status, os ricos ratificam sua hegemonia e os pobres lutam para não serem tão humilhados. Portanto, consumir significa investir na auto-afiliação social, almejando obter qualidades para ser pretendido, mesmo que isso seja um ato inconsciente.

O  consumo desenfreado está intimamente ligado a várias representações cotidianas nas quais os significados incorporados aos produtos concedem um valor simbólico ao consumidor. Diante deste cenário nota-se que os objetos assumem características emocionais visando suprir um vazio contínuo do indivíduo o que leva a consumir cada vez mais.

A pergunta que fica é: qual o lugar do saber da Psicologia dentro deste cenário do consumismo e endividamento? Já que poderá, na grande maioria das vezes trazer um sofrimento de alguma ordem. De acordo com  Hennigen:

“A menção à nossa condição de sociedade de consumo (Baudrillard, 2010) ou de consumidores (Bauman, 2008) não é incomum no campo da Psicologia, mas, em geral, figura como mero pano de fundo para outras discussões. Só excepcionalmente a questão do consumo e suas implicações na vivência dos sujeitos são enfatizadas. Mesmo assim, muitas vezes, o foco acaba recaindo sobre o comportamento dito consumista ou seu par patológico, a oneomania (compulsão por compras).Em tais análises, a despeito de ser referida (alguma influência do contexto social, a compreensão amiúde finda sendo individualizante”. (Hennigen, 2012).

Parece que fica  claro a necessidade de trazer à tona a discussão assuntos como mal estar psi decorrente da situação, que se configura como insônia, vergonha, culpa, depressão, dentre outros; os chamados acidentes da vida( desemprego, separação, doença, etc) como desencadeantes principais ou associados da situação; a falta de informações quanto ao crédito(custo efetivo, pagamento mínimo de cartão, etc); as práticas sociais que estigmatizam quem tem dívidas e não conseguem “honrá-las”; a dificuldade e falta de espaço para compartilhar a situação com outras pessoas; a impulsão ao consumo pela mídia e publicidade; a escassez de apoio institucional e social para pessoas nessa situação. Conforme diz  Henningen: “Quem se encontra super endividado fica com a “vida” no vermelho, pois as repercussões extrapolam em muito a esfera econômica.

Segundo Artifon:

“O Psicólogo que trabalha para promover saúde, trabalha para que as pessoas desenvolvam uma compreensão cada vez maior na usa inserção nas relações sociais e de sua constituição histórica e social enquanto ser humano. Desta forma, ao querer estudar sobre os impactos psicológicos do endividamento, busca-se esta possibilidade de transversalizar Psicologia e Economia”.

Artifon(2014) coloca suas observações sobre os implicações psíquicas causadas pelo endividamento:

“[…] as dívidas ou as dificuldades financeiras tem abalado significativamente a estrutura familiar, de modo a gerar crises nos relacionamentos. Além disso percebe-se neste estudo que os problemas econômicos potencializam dificuldades emocionais, afinal, no contexto pós-moderno, o indivíduo tornou-se frágil, indeciso e inseguro mediante a velocidade das mudanças e das escolhas que precisa fazer” (Artifon, 2014 p. 35).

A Psicologia como área de conhecimento tem como foco de estudo a subjetividade humana, as relações entre os sujeitos e o seu meio, buscando em última análise a promoção de bem estar para as pessoas. Contudo percebe-se a necessidade da inserção da Psicologia em um contexto transdisciplinar como o da economia, marketing, jurídico, educação, entre outros, na problemática do endividamento. Podemos observar que a psicologia também é convocada a direcionar esforços e contribuir, uma vez que é a ciência que tem como um de seus  objetos de estudo o comportamento humano, podendo assim fortalecer uma atuação interdisciplinar, considerando que, a união de conhecimentos técnicos com os psicológicos, pode possibilitar uma atuação mais efetiva em projetos que objetivem a mudança no comportamento econômico.

Por outro lado, é pertinente supor que o problema do endividamento traz uma vulnerabilidade ao indivíduo nesta situação isso demande uma maior mobilização das redes de apoio social, e o psicólogo como integrante desta rede pode oferecer uma importante contribuição para o enfrentamento deste problema.

Referências Bibliograficas

ARTIFON, Simone e PIVA, Maristela. Endividamento nos dias atuais. Fatores psicológicos implicados neste processo. Disponível em: www.psicologia.pt. ISNN: 1646-6977.2014.

BAUMAN, Z. Vida para consumo. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2008.

HENNIGEN, Inês & GEHLEN, Gabriela. Com a “Vida” no vermelho: Psicologia e superendividamento do consumidor. Pesquisas e práticas psicossociais, São João Del-Rei, v.7, n.2, p.290-298, jul/dez 2012. Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistalapip/Volume7_n2/Hennigen,_Ines_%26_Gehlen,_Gabriela.pdf

KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. 1ª ed. . Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.